As narrativas de Charles Manson: de guru hippie a assassino em série


Charles Manson foi um assassino em série que colocou Hollywood em uma década de ansiedade e causou o fim do movimento de contracultura dos anos 60, tudo sem executar diretamente qualquer dos assassinatos brutais cometidos em seu nome.

Baseado em uma ideia distorcida do movimento hippie, da contracultura, do amor livre e usando de suas previsões apocalípticas que o colocavam como um salvador, Manson conseguiu influenciar dezenas de pessoas a participar de seu culto assassino conhecido como “Familia Manson”. Mas o que as pessoas viram em Manson e como ele conseguiu manipular e controlar tantas pessoas para realizar atos tão terríveis?

A infância conturbada de Manson

A imagem que Charles Manson criou para o levar até um status de guru começou pela sua história de infância. Ele nasceu em 12 de novembro de 1934, em Ohio, e de acordo com a sua narrativa pessoal, ele nasceu sem um nome.

Sua mãe, Kathleen Maddox, tinha sido criada em uma casa opressivamente religiosa e era uma mãe adolescente solitária, abandonada pelo pai biológico de Charles. Pouco depois do nascimento de seu filho, ela se casou com William Manson, e começou a chamar seu bebê de Charles Milles Manson.

Manson cresceu com os familiares de sua mãe em um ambiente supostamente negligente e abusivo. Ele conta que uma vez sua mãe chegou a dá-lo para uma garçonete em troca de uma cerveja, e dias depois seu tio teve que ir busca-lo de volta.

Aos 13 anos, ele começou a cometer vários pequenos crimes, incluindo roubo, e em 1949 foi detido na Indiana Boys School, onde sofreu agressão sexual e abuso. Durante um período de várias tentativas de fuga e transferências para inúmeros centros juvenis, ele começou a cometer agressões sexuais contra outros meninos, até que foi transferido para o Reformatório Federal de Ohio em 1952.

Aprendendo a arte da manipulação

Manson
Manson foi preso diversas vezes durante a juventude

Quando ele tinha 19 anos, Manson foi libertado pelos seus tios, e por um breve momento ele pareceu ter melhorado. Ele frequentou a igreja com sua família e, em 1955, casou-se com Rosalie Willis, mudando-se com ela para Los Angeles.

Mas durante este período, Manson começou a estudar a religião como uma ferramenta de controle e a praticar a coerção e a manipulação de pessoas, em particular, de jovens vulneráveis. Ele também continuou a cometer roubo e outros crimes, até que foi condenado a três anos em uma prisão de Los Angeles, durante a qual Rosalie deu à luz seu filho, Charles Manson Jr., e logo após pediu o divórcio.

A década de 1957 a 67 foi turbulenta para Manson. Ele passou muito do seu tempo entre sentenças suspensas, violação da liberdade condicional e prisões. Ele também se tornou cafetão durante esse período e foi brevemente casado com uma prostituta.

Em um de seus momentos na prisão, Manson fez amizade com Alvin "Creepy" Karpis, e tornou-se obcecado com a música depois que Karpis o ensinou a tocar guitarra, praticando o tempo todo, escrevendo dezenas de músicas e cantando. Ele acreditava que quando saísse da prisão ele poderia ser um músico famoso, e então começou a explorar suas opções para alcançar a fama de Hollywood.

Enquanto isso, ele continuou a estudar a arte da manipulação, especialmente as técnicas de engenharia social ensinadas por Dale Carnegie em seu livro “Como ganhar amigos e influenciar pessoas”.

Manson também focou na Cientologia e em formas de manipulação emocional de pessoas, procurando o conselho de outros criminosos de carreira, incluindo cafetões que lhe ensinaram técnicas para coagir com êxito e quebrar a resistência das mulheres.

O início da Família Manson

Quando Manson foi libertado da prisão em 1967, ele se dirigiu para São Francisco, onde começou a se misturar no meio hippie e de contracultura, que rejeitava às normas sociais e se baseava em discursos de liberdade. Porém, Manson conseguiu transformar uma narrativa que antes pregava “paz e amor” em violência, sangue e coerção.

Ele explorou da droga e de suas técnicas de discurso, primeiro ligando-se com os seus seguidores através de suas histórias de rejeições sociais e em seguida, atraindo-os para relacionamentos desequilibrados e manipuladores.

Mary Brunner foi uma das primeiras a se apaixonar por Manson, largando seu emprego e o seguindo para onde quer que fosse. Ela foi a figura-chave que ajudou Manson a atrair outras pessoas a se juntar ao que seria chamado de Família Manson.

Lynette Fromme logo se juntou a Brunner e Manson, e em San Francisco, o trio encontrou muitos jovens que estavam perdidos, procurando um propósito na vida. As longas profecias de Manson, as músicas hipnóticas e o abuso de drogas criaram uma reputação de que ele tinha algum tipo de sexto sentido.

Mais pessoas, principalmente mulheres, o seguiram, e no outono de 1967, Manson e sua Família se mudaram para Los Angeles, em busca de seus sonhos de estrelato de Hollywood.

O perfil escolhido para seus seguidores

Seguidoras de Manson
Representação de Patricia Krenwinkel, Susan Atkins e Linda Kasabian

Acredita-se que cada um dos seguidores de Manson foi muito bem escolhido. Sua seita, era composta em grande parte por mulheres brancas de classe média, que se sentiam deslocadas na sociedade e eram mais vulneráveis aos seus discursos.

Ele também era conhecido por sua capacidade de se adaptar, se ajustando de acordo com seu ambiente e dizendo o que fosse necessário para conseguir atrair certas pessoas, agindo por vezes como uma estrela do rock insana, como um guru espiritual ou um racista extremista.

A aproximação com Hollywood

Beach Boys
Os Beach Boys chegaram a gravar uma música de Manson

Uma vez que ele chegou em Hollywood, Manson começou a fortalecer as conexões com a indústria da música, que ele havia forjado dentro e fora da prisão. Logo ele já estava fazendo incursões com produtores musicais e atores, incluindo o produtor da Universal, Gary Stromberg, que concedeu a Manson uma sessão de gravação.

Manson também fez amizade com os compositores Gregg Jakobson e Dennis Wilson dos Beach Boys, e Manson foi especialmente bem-sucedido na manipulação de Wilson. Seu vínculo com ele e com as pessoas influentes que Wilson o apresentou foram um fator decisivo nos assassinatos que aconteceram posteriormente.

Ao longo de 1968, Wilson permitiu que Manson e a Família vivessem na sua casa no Sunset Boulevard, além de gastar fortunas para ajudar Manson a gravar um álbum, em troca de favores sexuais das seguidoras de Manson.

Wilson tentou promover o trabalho de Manson e até mesmo convenceu os Beach Boys a gravar uma de suas músicas. Ele também apresentou Manson a Terry Melcher, porém Melcher se recusou a assinar um contrato de gravação com Manson, deixando-o furioso.

Depois de problemas com o gerente de Wilson, Charles Manson e alguns de seus seguidores tiveram que se mudar para o Rancho Spahn, que Manson conseguiu novamente por meio da exploração de suas seguidoras.

Em agosto de 1969, com sua paranoia crescente e sua seita sob ameaça de acabar, Manson ordenou que um grupo de seus seguidores começassem os assassinatos, incluindo o massacre que aconteceu na antiga casa de Terry Melcher.

A guerra racial: Helter Skelter

Helter Skelter
Helter Skelter do The Beatles, seria sobre um parque de diversões

Um dos discursos que Charles Manson pregou para convencer as pessoas a realizar os assassinatos foi baseado em uma próxima guerra racial entre o governo e os cidadãos negros.

Quando The Beatles lançou seu "White Album" em 1968, Manson disse que a música "Helter Skelter" previa essa guerra, que iria ocorrer no verão de 1969, quando os negros iriam se levantar e matar todos os brancos. No entanto, quando a guerra que Manson previu não ocorreu, ele disse que ele e seus seguidores deveriam “mostrar aos negros como fazê-la”. Foi quando ele iniciou sua série de assassinatos, com objetivo de incriminar o movimento negro, principalmente os Panteras Negras.

Mas o Helter Skelter era o real motivo por trás dos assassinatos?

Apesar de ele dizer aos seus seguidores que suas ações eram com objetivo de iniciar o Helter Skelter, os propósitos de Manson podem ter sido muito menos apocalípticos e mais ligados ao seu narcisismo, envolvendo sua vingança pessoal por não ser aceito em Hollywood e para tirar a atenção de outros crimes que ele tenha cometido.

Em maio de 1969, Manson havia disparado contra um traficante chamado Bernard "Lotsapoppa" Crowe depois de uma briga sobre pagamento de drogas. Dois meses depois, Manson influenciou seus seguidores a roubar dinheiro de Gary Hinman, e depois de mantê-lo como refém e cortar sua orelha, um dos seus seguidores, chamado Bobby Beausoleil, o matou.

Os membros da família tentaram colocar a culpa dessa morte nos Panteras Negras, escrevendo a palavra “porcos” na parede e um símbolo do movimento negro. Porém, a tática não funcionou e Beausoleil foi preso pelo assassinato.

Com a prisão de Beausoleil, Manson começou a temer que seu seguidor acabasse cedendo aos interrogatórios e o entregando, tanto pelo assassinato quanto tiroteio anterior. Então, apenas dois dias depois de Beausoleil ter sido levado sob custódia, Manson ordenou que um de seus homens, Charles "Tex" Watson, levasse três membros da família para o antigo endereço de Terry Melcher.

Manson sabia que Melcher não morava mais na casa, mas que quem morasse lá provavelmente seria membro da elite de Hollywood, que ele tanto odiava devido ao seu fracasso. O objetivo de Manson era fazer com que seus seguidores matassem todos na casa e tornassem os assassinatos parecidos com o de Hinman, para desviar a suspeita sobre Beausoleil. Ele também queria atingir Melcher, pela recusa em ajudá-lo em sua carreira musical.

Naquela noite, Watson levou Patricia Krenwinkel, Susan Atkins e Linda Kasabian para a antiga casa do produtor, onde agora moravam o cineasta Roman Polanski e sua esposa, a atriz Sharon Tate, grávida de oito meses.

Lá, eles mataram brutalmente a atriz e quatro convidados que estavam presentes, e repetindo o que Beausoleil tinha feito, eles escreveram "porco" nas paredes com sangue, de modo a conectar os assassinatos com a morte de Hinman e implicar os Panteras Negras.

Na noite seguinte, o mesmo grupo de seguidores foi acompanhado pelo próprio Manson, até a casa de Leno e Rosemary LaBianca, e mais uma vez eles repetiram o mesmo padrão de assassinatos, dessa vez escrevendo também "Helter Skelter".

Tudo isso fez com que os assassinatos de Tate e dos LaBianca pareçam ocultistas, e essa impressão ainda perdura hoje, mesmo que os assassinatos fossem parte do esquema de Manson para enquadrar os Panteras Negras pelas mortes, libertando Beausoleil antes que ele pudesse implicar o seu líder.

Porém, uma suspeita de roubo de carros fez com que a polícia chegasse até a Família Manson, no Rancho Spahn. A Família foi liberada rapidamente, e Manson se mudou para o Vale da Morte, no entanto, antes de deixar o rancho, Manson ordenou o assassinato de Donald Shea, um trabalhador do local que Manson culpou por ter informado à polícia sobre os carros roubados.

A polícia levou vários meses para determinar quem era responsável pelos assassinatos, mas em dezembro de 1969, Manson e vários de seus seguidores foram presos. Manson foi considerado culpado de assassinato em primeiro grau e conspiração para cometer assassinato, sendo condenado à morte no ano seguinte. Sua pena de morte foi renunciada em 1972, quando o Supremo Tribunal da Califórnia proibiu a pena de morte, mas ele permaneceu preso até novembro de 2017, quando faleceu de velhice.

O homem por trás da imagem do monstro

Charles Manson 2014
Charles Manson, em 2014, em um presídio no Estado da Califórnia

A impressão cultural que Manson deixou é a de um elemento cruel, um produto defeituoso da contracultura hippie de São Francisco, que o levou a fazer um ataque aleatório no meio da elite de Hollywood, mas essa impressão é falsa.

Manson não era um hippie. Em vez disso, ele se apropriou de elementos da cultura hippie para seus próprios fins pessoais, buscando pessoas para exercer controle e torna-los seus seguidores. Ele estava menos ligado a uma guerra racial, e mais em resolver seus próprios problemas.

A aparente selvageria dos assassinatos da família Manson não era aleatória, nem era produto de uma tentativa de guerra social ou do ódio a um sistema. Em vez disso, foi a reação de Manson contra a cultura privilegiada de Hollywood e suas tentativas fracassadas de ingressar nela.

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