O que é sinestesia? É possível ver um som ou ouvir um cheiro?


Sinestesia é uma figura de linguagem em que se unem sensações originadas de órgãos sensoriais diferentes. Um som escuro ou uma forma muda são exemplos de sinestesia que podemos encontrar na literatura, sobretudo na poesia.

A palavra sinestesia é formada por duas palavrinhas gregas: syn ("união") e aisthesis ("sensação"). Uma nota musical verde. Um odor meio agudo. Acha isso estranho? Pois saiba que a união ou o cruzamento de sensações não é algo restrito às artes. Sim, existem pessoas sinestésicas!

Na medicina, a sinestesia é uma rara condição neurológica que consiste na capacidade cerebral de misturar sensações. O estímulo de um sentido gera a sensação de outro. Uma nota musical pode fazer a pessoa ver uma cor, por exemplo. Pessoas com essa incrível capacidade são chamadas de sinestetas.

sinestesia
Um tipo de sinestesia é aquele que associa determinadas notas musicais a determinadas cores.

Sinestesia na literatura: a figura de linguagem

O mais comum quando ouvimos falar de sinestesia é o seu uso enquanto figura de linguagem. Resumidamente, uma figura de linguagem é um procedimento expressivo pelo qual o escritor se desvia da forma mais padrão do uso da língua. Assim, em vez de falar "ela é forte", podemos dizer "ela é uma leoa" - e temos uma figura de linguagem chamada metáfora.

No caso da sinestesia, o recurso é o cruzamento ou sobreposição de sensações. Ou seja: a atribuição de uma sensação a um sentido que não tem nada a ver com ele. No poema "Os Cinco Sentidos", o poeta português Almeida Garrett define a sinestesia da seguinte maneira: "A ti! ai, a ti só os meus sentidos / Todos num confundidos, / Sentem, ouvem, respiram".

Para ficar mais fácil de entender, veja estes exemplos de sinestesia em textos literários:

Exemplos de sinestesia na literatura

  • "Haverá um silêncio verde / Todo feito de guitarras desfeitas" - Gerardo Diego
  • "Há aromas frescos como as carnes infantis / Doces como os oboés, verdes como os prados" - Charles Baudelaire
  • "A negro, E branco, I rubro, U verde, O azul, vogais / Ainda desvendarei seus mistérios latentes" - Arthur Rimbaud
  • "As falas sentidas que os olhos falavam / Não posso, não quero, não devo contar!" - Casimiro de Abreu
  • "O clarim dos galos soava claro e altos. E um doce vento, que se erguera, punha nas folhas lavadas e lustrosas um frêmito alegre e doce" - Eça de Queiroz
  • "O céu se aproximou dela até que lhe comunicou o toque do azul, acariciando-a como um esposo, deixando-lhe o cheiro e a delícia da tarde" - Gabriel Miró

Sinestesia nas artes plásticas

O recurso da sinestesia também pode ser encontrado em outras artes, como a pintura. E talvez o maior exemplo de sinestesia na pintura sejam as obras do artista russo Wassily Kandinsky (1866-1944), para quem as notas musicais eram ligadas a determinadas cores.

Há quem diga que Kandisky era um sinesteta - no sentido neurológico da palavra. Seja como for, é inegável que parte de sua obra expressa o desejo de transpor para a tela ritmos e sons. O resultado era uma espécie de "sinfonia abstrata". O compositor austríaco Arnold Schönberg (1874-1951) foi uma grande influência para Kandinsky.

Kandinsky
Composição VIII, de Wassily Kandinsky, pioneiro do abstracionismo nas artes visuais. Data: 1923.

Sinestesia na medicina: uma incrível (e rara) capacidade cerebral!

Como já dissemos, há pessoas sinestésicas. Pessoas que veem sons, cheiram nomes, saboreiam cores. O primeiro registro desse fenômeno data do final do século XVIII. O primeiro estudo foi feito em 1880, quando um pesquisador inglês, Sir Francis Galton, publicou um artigo sobre o tema numa revista científica.

O que se sabe hoje em dia é que a sinestesia é uma condição rara, que afeta em torno de 4% da população mundial. Apesar de ainda haver muitas dúvidas sobre as causas da sinestesia, sabe-se que ela é uma condição involuntária e transmitida geneticamente. Isso significa que pessoas não se tornam sinestetas ao longo da vida. Elas já nascem assim.

É importante dizer que se diga que a sinestesia não é uma doença. Ninguém procura um médico para tratar a sinestesia. Estudiosos preferem chamá-la de "condição neurológica".

Causa da sinestesia

Cientistas acreditam que ela se deve a um funcionamento incomum do cérebro durante o processamento dos estímulos nervosos. Ao longo da transmissão do impulso nervoso, o cérebro de um sinesteta opera por caminhos pouco convencionais, fazendo uso de áreas que não seriam usadas normalmente.

Para a Dra. Julia Simner, do Departamento de Psicologia da Universidade de Edimburgo, a sinestesia ocorre devido a uma "conversa cruzada atípica entre funções cerebrais". No cérebro de um sinesteta, ocorrem associações em excesso - "hiper-associações". Essas conexões abundantes são "podadas" no cérebro de um não-sinesteta.

Tipos de sinestesia

Há pelo menos 54 tipos de sinestesia. Som-sabor, som-movimento, olfato-som, sabor-tato, som-odor... Algumas pessoas podem apresentar mais de um desses pares. Estes são os sinestetas múltiplos.

Mas a sinestesia mais comum é aquela que associa símbolos gráficos a cores. Lembra do verso do poema do Rimbaud que citamos acima? Nele o poeta associa cada letra do alfabeto a uma cor específica. Isso nos faz pensar que a sinestesia não mistura apenas sensações, mas tem a ver também com a cognição (o processo do conhecimento).

Ideias abstratas podem sugerir cores, sabores, odores... Nesses casos, não se trata de um estímulo sensorial despertando outro, mas de um conceito ou uma construção linguística. Isso quer dizer que esse campo vasto e misterioso que chamamos de sinestesia inclui, para além das conexões inter-sensoriais, a cognição e a linguagem.

Seríamos todos um pouco sinestésicos? Um teste pode provar que sim

É o que sugere o psicólogo alemão Wolfgang Köhler (1887-1967). Em algum nível, todos nós misturaríamos sensações entre si.

Köhler desenvolveu um experimento para demonstrar isso. Veja as duas figuras abaixo e atribua um dos seguintes nomes a cada uma delas: Kiki e Booba.

sinestesia

E aí? Qual é a Kiki? Qual é a Booba?

Dois pesquisadores da Universidade da Califórnia, Vilayanur Ramachandran e Edward Hubbard, fizeram esse experimento com um grupo de pessoas. Parte desse grupo era formada por norte-americanos. Outra parte formada por indianos. Sabe qual a porcentagem das que associaram Kiki à figura da esquerda e Booba à da direita? 95%!

Incrível, não? Ora, o que um nome (ou o som de um nome) tem a ver com uma forma? E vimos que o efeito Booba/Kiki, como ficou conhecido, independe do idioma. Apesar de não haver uma explicação definitiva sobre isso, temos uma certeza: o cruzamento de experiências sensoriais não é privilégio dos chamados sinestetas, embora estes experimentem a sinestesia de uma forma muito mais intensa.

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