Os sonhos podem prever o futuro? Saiba o que diz a ciência


A resposta é: mais ou menos.

Para a ciência, os sonhos não têm o poder de mostrar de forma infalível alguma coisa que vai acontecer no futuro: por exemplo, é impossível que um sonho revele com exatidão quem vai ganhar a próxima Copa do Mundo ou o dia exato da morte de alguém. Disso se ocupam os tarólogos, os videntes, e cabe a nós acreditarmos ou não.

O que diz a ciência é que, embora não possam adivinhar o que vem pela frente, os sonhos podem simular situações futuras, propondo-nos possíveis soluções para os nossos problemas atuais.

Teoria do "oráculo probabilístico": os sonhos premonitórios

Oráculos são instituições que servem para prever o futuro ou determinar a melhor ocasião para que uma ação seja tomada. Na Antiguidade, o Oráculo de Delfos foi por muito tempo o mais importante templo religioso da Grécia. Muitas pessoas, entre as quais lideranças políticas, recorriam ao poder de adivinhação das sacerdotisas (pítias) antes de tomar algum tipo de decisão.

Oráculo de Delfos
Ruínas do templo do Oráculo de Delfos, na Grécia, onde as sacerdotisas (pítias) faziam suas previsões.

Tal como o Oráculo de Delfos, os sonhos também podem nos ajudar a prever o futuro. Ao menos é o que diz o neurocientista brasileiro Sidarta Ribeiro em seu livro O Oráculo da Noite: a História e a Ciência do Sonho.

Mas a comparação com o oráculo não é perfeita. Tanto que Sidarta usa o adjetivo "probabilístico" para qualificar esse suposto "poder" dos sonhos. As pessoas que consultavam o Oráculo de Delfos no século V a.C acreditavam que as previsões eram infalíveis, exatas. No caso dos sonhos, não se pode afirmar o mesmo - ao menos do ponto de vista da ciência.

O que os estudos de Sidarta indicam é que os sonhos simulam a realidade, apontando desfechos que, por serem probabilísticos, podem vir ou não a acontecer.

Pesadelos: alertas para possíveis perigos

Para tratar dos pesadelos, Sidarta trabalha com a teoria da simulação de ameaças, segundo a qual os sonhos negativos serviriam para alertar sobre possíveis desfechos ruins para diversos problemas da vida.

O que acontece nos sonhos humanos também ocorre, com algumas diferenças, nos sonhos dos animais, diz Sidarta. Um leão que vive em seu habitat natural, a savana, tende a sonhar com situações que envolvam os três princípios da evolução, ou "imperativos darwinistas": matar, não morrer e procriar. Assim, um pesadelo para um leão pode ser uma caça mal-sucedida ou alguma situação de perigo que ponha sua vida em risco.

Leão
Sidarta dá o exemplo da presa e do predador: sonho de um, pesadelo de outro.

Sonhos bons: satisfação dos desejos

Mas, no mundo animal, o que é pesadelo para uns é felicidade para outros. Se uma caça mal-sucedida é pesadelo para um leão, é um excelente sonho para uma zebra ou antílope, suas presas favoritas. Sidarta diz que metade dos nossos sonhos são positivos, metade são negativos, e ambos servem como "oráculos probabilísticos".

Assim como os pesadelos têm a ver com a frustração, os sonhos prazerosos são aqueles em que os nossos desejos se satisfazem.

A ideia de que os desejos estão na base dos nossos sonhos foi desenvolvida por Sigmund Freud (1856-1939) no seu célebre estudo intitulado A Interpretação dos Sonhos, publicado em 1900. Segundo o pai da psicanálise, nossos sonhos são movidos por desejos. Eles são a realização disfarçada dos desejos reprimidos que ficam armazenados no inconsciente.

Sidarta retoma essa ideia de Freud e tenta dar um passo à frente: para ele, os sonhos fazem mais do que expressar o conteúdo dos nossos desejos - eles funcionam como um dispositivo de simulação da realidade futura. Daí o nome de "oráculo probabilístico".

Por que hoje em dia o "oráculo" é menos preciso?

Na sua palestra na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) de 2019, Sidarta lembrou que a condição atual dos seres humanos dificulta a percepção desse "oráculo". Por isso que a comparação com os animais, apesar de nos ajudar a entender o mecanismo dos sonhos, não é perfeita.

Nós, seres humanos, não vivemos mais como caçadores e coletores, como vivia o homem na pré-história. Assim, os tais "imperativos darwinistas" - matar, não morrer e procriar - não bastam para explicar os sonhos humanos.

A multiplicidade de desejos do ser humano atual

Desejos
No mundos dos inúmeros desejos, o lazer é, sem dúvida, um dos maiores.

Vivemos no mundo da cultura, submersos num volumoso caldo de bens materiais e imateriais. Temos desejos que vão além da necessidade de se manter vivo, comer e se reproduzir. Mesmo quando se trata de comer, desejamos esta ou aquela comida.

Somos assediados a todo momento por anúncios que nos dizem o que comprar, o que vestir, o que fazer. Passar férias na praia, comer naquele restaurante e comprar o tênis daquela determinada marca não faziam parte do leque de desejos dos nossos ancestrais do Paleolítico.

Da mesma forma, temos anseios profissionais: não basta ganhar dinheiro para subsistir, queremos cargos cada vez melhores, que tragam mais dinheiro e mais prestígio. O desejo do que se quer "ser" na vida começa desde cedo, estimulado pelos adultos. E esse desejo nos acompanha, ainda que reformulado, por toda a vida.

Portanto, a realidade do homem contemporâneo é caracterizada por uma multiplicidade de desejos desconhecida tanto no mundo animal quanto em outras épocas da história e da pré-história da humanidade. No tempo do Oráculo de Delfos, por exemplo, certamente o número de desejos era bem menor. Na Idade da Pedra, nem se fala...

Um "oráculo" menos preciso: menor capacidade para "prever" o futuro

Com a multiplicidade de desejos, o "oráculo" perdeu a precisão que tinha antigamente.

A conta é simples: no mundo animal, as variáveis são apenas 3 - matar, não morrer, procriar. Os sonhos são povoados por esses 3 elementos, essas três preocupações fundamentais.

No ser humano pré-histórico, ou mesmo no homem da Antiguidade, a quantidade de desejos também era infinitamente menor. E se admitirmos a teoria freudiana de que os sonhos têm a ver com a busca da satisfação de desejos, temos diante de nós sonhos que são como mosaicos - uma verdadeira confusão de desejos, onde é muito difícil identificar essas possíveis mensagens de futuro que os sonhos trazem.

Mosaico Sonhos
Como um mosaico, os sonhos do homem moderno são formados por uma enorme quantidade de desejos diferentes.

Mas Sidarta diz que quando estamos passando por momentos mais difíceis ou intensos, a tendência é de que os sonhos fiquem mais claros. Por exemplo: se uma pessoa está prestes a ser demitida ou às vésperas de tomar uma decisão importante na vida amorosa, aumentam as possibilidades dos sonhos serem mais nítidos. Nesses casos, há um medo ou um desejo muito claro que se sobressai, e tendemos a prestar mais atenção nele.

Nesses casos, diz Sidarta, o homem contemporâneo retoma a antiga capacidade de "prever" o futuro, encontrando nos sonhos soluções para os seus problemas.

Os sonhos favorecem a criatividade

Hoje em dia é muito comum as pessoas citarem a criatividade como a qualidade mais desejada no mundo do trabalho. Tornou-se quase um um pré-requisito ser criativo para ocupar um lugar ao sol numa sociedade tão competitiva como a nossa.

Vivemos numa sociedade que não sonha

O capitalismo exige criatividade. Porém, segundo o neurocientista Sidarta, ele é o principal responsável por nos privar de um recurso fundamental para desenvolver a criatividade: os sonhos.

Isso mesmo: os sonhos são uma fonte preciosa de ideias novas, segundo Sidarta.

O problema é que a sociedade em que vivemos, baseada no lucro e na produtividade, impõe às pessoas um ritmo de vida que, literalmente, lhes tira o sono. As pessoas dormem pouco ou dormem mal. Algumas nem dormem direito. Telas de laptops e celulares comprovadamente são péssimas aliadas de uma boa noite de sono. Nesse ritmo de vida alucinado, tem gente que só consegue dormir com a ajuda de comprimidos.

Stress trabalho

E mesmo quando sonhamos, não damos a importância que os antigos davam aos sonhos. Sidarta diz que até o ano de 1500 d.C. os sonhos ocuparam um lugar central na vida social. Hoje, tendemos a dar pouca importância a eles, como se fossem coisas sem sentido e vazias de significado.

Mas os sonhos cumprem uma função importantíssima na consolidação e na reestruturação das nossas memórias. Ou seja: coisas que fizemos e pensamos quando estamos acordados se solidificam enquanto memórias enquanto dormimos. Isso quer dizer que não dormir e não sonhar é péssimo para a nossa memória.

Leia: Entenda por que a gente sonha e por que sonhar é fundamental para a vida

Mas, afinal, como os sonhos podem contribuir com a criatividade?

É mais ou menos assim: como os sonhos se nutrem do material inconsciente (como já dizia Freud), eles nos permitem acessar nosso "banco de memórias" e suas possíveis combinações. Ou seja: os sonhos são momentos privilegiados em que, devido à mistura de ideias antigas, novas ideias podem surgir.

Criatividade

Você nunca teve uma grande ideia enquanto dormia? Nunca acordou desesperado (a) para anotar um insight incrível que apareceu do nada, no meio de uma tranquila noite de sono?

Pois é. Agora sabemos que isso não vem do nada. Há uma explicação científica. São antigas memórias que, recombinadas, geram ideias originais. E os sonhos, segundo Sidarta, favorecem essa recombinação.

Portanto, em vez de ignorar seus sonhos, faça como Sidarta: anote-os! Além deles conterem informações preciosas sobre a forma como a sua mente funciona, eles podem fornecer ótimas ideias e, quem sabe, excelentes soluções para o futuro.

Leia também: Paralisia do sono: o que é e por que ela acontece