A história do Santo Graal: dos mitos cristãos aos pagãos


O Santo Graal é geralmente identificado como um cálice ou taça que Jesus Cristo utilizou na Última Ceia e também onde parte do seu sangue foi depositado durante a sua crucificação. A história do Santo Graal, no entanto, é uma evolução de histórias medievais e cristãs e no imaginário popular é hoje uma expressão para sugerir “o fim de uma jornada”, “o tesouro absoluto” ou “o bem mais precioso”.

Pintura 'A última Ceia' de Vicente Juan Masip. (Século XVI). Detalhe para o cálice utilizado por Cristo que geralmente é dito como o Santo Graal.
Pintura "A última Ceia" de Vicente Juan Masip. (Século XVI). Detalhe para o cálice utilizado por Cristo que geralmente é dito como o Santo Graal.

Ao longo dos milênios, o Graal já foi descrito como um prato, um cibório (espécie de cálice), uma travessa, uma pedra e até mesmo uma linhagem familiar, dependendo da história que é contada e do mito sustentado.

Das Lendas do Rei Arthur até os filmes de Indiana Jones e chegando ao romance O Código Da Vinci (2003), o Santo Graal aparece na cultura popular por séculos. Suas histórias parecem não ter fim, pois os mistérios que rodeiam este santo objeto nunca foram concluídos.

Não existem referências sobre o Santo Graal na bíblia

Existem muitas procedências para a etimologia da expressão Santo Graal. Alguns estudiosos dizem que a palavra graal vem do latim a partir da palavra gradalis, derivado do latim clássico crater que significa vaso.

Na bíblia, nada é dito sobre a utilização de um cálice ou vaso por Jesus. Esta interpretação se relaciona com as histórias criadas no período medieval, que identificavam o Santo Graal como um recipiente que Jesus Cristo teria utilizado durante a Última Ceia. José de Arimateia teria sido o discípulo de Jesus que recolheu o sangue jorrado de Cristo quando ele recebeu o chamado “golpe de misericórdia” com uma lança.

Pintura 'O Sepultamento de Cristo' de Ticiano (1559). Na obra, podemos observar o discípulo José de Arimateia carregando os braços de Jesus.
Pintura "O Sepultamento de Cristo" de Ticiano (1559). Na obra, podemos observar o discípulo José de Arimateia carregando os braços de Jesus.

Apesar de não aparecer diretamente na bíblia essa função por José de Arimateia, em João 19, temos as seguintes referências ao sangue de Cristo jorrado pelo golpe e a missão deste discípulo sobre o corpo de Jesus:

Os soldados foram e quebraram as pernas ao primeiro e ao outro que fora com ele crucificado; chegando-se, porém, a Jesus, como o vissem já morto, não lhe quebraram as pernas, mas um dos soldados lhe abriu o lado com uma lança, e logo saiu sangue e água.

João 19:32-34

Depois disto José de Arimateia, que era discípulo de Jesus, ainda que oculto por medo dos judeus, pediu a Pilatos permissão para tirar o corpo de Jesus; e Pilatos concedeu-a. Foi José e tirou o corpo.

João 19:38

Foi a partir de 1200 d.C. que as histórias medievais começaram a retratar José de Arimateia como o primeiro guardião do Santo Graal e sua jornada com este objeto. O poeta francês Robert de Baron foi o primeiro escritor a dar um sentido cristão à jornada do Santo Graal através das histórias e mitos sobre o Rei Arthur e Merlin.

Em seu poema José de Arimateia (Século XII), o escritor revela que o discípulo de Jesus emigrou para a Grã-Bretanha com o cálice sagrado e formou uma comunidade de pessoas que seriam guardiões do Graal. Estas pessoas estariam ligadas mais tarde aos cavaleiros templários, uma ordem militar que tinha o objetivo de proteger os cristãos em sua volta à Jerusalém no século XII.

Saiba mais sobre Os templários: quem eram, o que fizeram e como acabaram

A relação do Santo Graal com os Cavaleiros da Távola Redonda

Na pintura 'A Tentação do Senhor Percival' de Arthur Hacker (1894), observamos o cavaleiro segurando o cálice sagrado.
Na pintura "A Tentação do Senhor Percival" de Arthur Hacker (1894), observamos o cavaleiro segurando o cálice sagrado.

As lendas do Rei Arthur já foram contadas e recontadas por séculos. Estes contos e romances apresentam um universo repleto de magia, aventuras épicas e batalhas que inspiram autores do gênero fantástico até hoje. Nestas histórias, elementos pagãos e da cultura celta são misturados aos valores cristãos e o Santo Graal aparece como um símbolo desta jornada para diversos heróis.

A maior parte das histórias "arturianas" datam do período medieval, mais especificamente entre os séculos XI e XIII. A primeira vez que o Santo Graal aparece nestes contos é em O Conto do Graal (1181 - 1191 d.C), do escritor francês Chrétien de Troyes. O romance tinha como herói da jornada o cavaleiro Percival, um jovem que busca o conhecimento sobre o graal para descobrir mais sobre sua própria história de vida.

A pintura de Évrard d'Espinques (1495) retrata o Rei Arthur e os Cavaleiros da Távola Redonda diante da aparição do Santo Graal.
A pintura de Évrard d'Espinques (1495) retrata o Rei Arthur e os Cavaleiros da Távola Redonda diante da aparição do Santo Graal.

Outro romance conhecido como A busca pelo Santo Graal (Século XIII) é de autoria desconhecida. Nele, o herói da jornada é Galahad, um cavaleiro que possui os símbolos mais puros das virtudes cristãs, em especial, a castidade. Nesta versão da história, o autor apresenta diversos dogmas cristãos sobre moralidade e faz a conexão do Santo Graal à doutrina do corpo e sangue de Jesus durante a comunhão. Nesta história, Galahad, filho de Lancelot, é guiado por um homem mais velho que o introduz ao Rei Arthur e aos cavaleiros da Távola Redonda.

Galahad anuncia que ele vai iniciar a jornada em busca do Santo Graal. Para isso, ele retira uma espada de um pedra (tal como Arthur retirou a espada Excalibur) e derrota diversos cavaleiros em um torneio. Na celebração de sua conquista, o Santo Graal aparece milagrosamente como uma visão e alimenta todos ao redor.

A pintura 'A Conquista do Graal' de Sir Edward Burne-Jones, William Morris e John Henry Dearle (1895) revela os cavaleiros Galahad, Percival e Boors diante do Santo Graal.
A pintura "A Conquista do Graal" de Sir Edward Burne-Jones, William Morris e John Henry Dearle (1895) revela os cavaleiros Galahad, Percival e Boors diante do Santo Graal.

Em sua jornada que durou 5 anos juntamente com Percival e com o cavaleiro Boors, Galahad encontra Jesus Cristo, que lhe revela o verdadeiro significado do Santo Graal:

“É a tigela da qual Jesus Cristo comeu o cordeiro no dia da Páscoa com seus discípulos. Esta é a tigela que serviu de maneira aceitável a todos aqueles que encontrei me servindo; esta é a tigela que nenhum homem sem fé jamais viu sem sofrer por ela. E porque, assim, serviu a todos os tipos de pessoas aceitáveis, é chamado apropriadamente de Santo Graal. Agora você viu o que desejava ver e o que cobiçou. ”

Nestas histórias, podemos observar a tentativa dos autores em misturar elementos do folclore medieval com os valores cristãos e, principalmente, de fortalecer o espírito nacionalista do Reino Unido, colocando locais da Grã-Bretanha como o “destino” que o santo objeto foi parar.

Leia também: A Távola Redonda e seus cavaleiros: uma lenda que marcou a história!

As lendas do Santo Graal anteriores à Cristo

O fascínio por um objeto mágico que seria o “mais precioso dos tesouros na Terra” tem origem antes mesmo do cristianismo. Para os celtas, este objeto seria o caldeirão de Ceridwen, que continha a chamada poção da sabedoria e que possibilitava a ressurreição dos mortos. Historiadores acreditam que estas lendas influenciaram as histórias que relacionam o Santo Graal de Cristo às lendas do Rei Arthur.

Da mesma forma, uma outra história do século XIII dá outros significados e possibilidades ao Santo Graal. Ela foi escrita pelo cavaleiro e poeta alemão Wolfram von Eschenbach. No livro Parsifal, o autor revela que o Santo Graal é na realidade uma pedra esmeralda guardada pelos templários, que foi trazida para a Terra por seres celestiais.

Foto de uma esmeralda.
Em algumas histórias é dito que o Santo Graal é na realidade uma pedra esmeralda.

As interpretações para esta pedra, no entanto, são muitas. Algumas pessoas a enxergam como uma alusão à Pedra Filosofal, capaz de transformar qualquer metal em ouro e prolongar a vida de qualquer pessoa que a possui. Esta referência foi utilizada para a primeira história dos populares livros de fantasia Harry Potter.

Uma outra possibilidade para a pedra descrita por Eschenbach é a de que ela era uma esmeralda da coroa de Lúcifer, um dos mais poderoso anjos do exército de Deus que se rebelou contra Ele. Outra interpretação é de que a esmeralda ficava na realidade na própria testa de Lúcifer e que funcionava como seu terceiro olho. Quando o anjo desceu ao mundo inferior, a esmeralda se partiu e parte dela caiu na Terra, sendo este pedaço de pedra o Graal.

Esta é uma das mais controversas explicações para o Santo Graal, mas foi apenas uma das inúmeras histórias medievais que utilizaram o Graal para simbolizar e colorir romances que se tornaram extremamente populares em séculos passados.

O Graal como uma linhagem de sangue

Uma outra explicação etimológica para Santo Graal é a de que a palavra deriva do francês antigo san-graal ou san-gréal, significando Sangue Real. Esta explicação foi introduzida por John Hardyng, escritor inglês do século XV e utilizada desde então para uma outra teoria sobre o Santo Graal: a de que ele na realidade se refere à linhagem de sangue de Jesus Cristo.

O livro 'O Santo Graal e a Linhagem Sagrada' aborda a teoria de que o Santo Graal é na realidade a linhagem de sangue de Jesus Cristo.
O livro "O Santo Graal e a Linhagem Sagrada" aborda a teoria de que o Santo Graal é na realidade a linhagem de sangue de Jesus Cristo.

Esta teoria foi explorada no controverso livro O Santo Graal e a Linhagem Sagrada (1982), escrito por Michael Baigent, Richard Leigh e Henry Lincoln. O livro foi baseado em documentos encontrados na biblioteca do Vaticano e evangelhos apócrifos e sugere que Jesus se casou com Maria Madalena e com ela teve pelo menos dois filhos.

De acordo com os autores, os descendentes de Jesus e Maria Madalena se estabeleceram na França, onde se relacionaram com famílias nobres e eventualmente fizeram parte da dinastia merovíngia, que governou os francos na região que hoje corresponde à França, a Bélgica e parte da Alemanha e da Suíça entre o século V e metade do século VIII.

O livro revela também a existência de uma sociedade secreta chamada de Priorado de Sião que possuía como membros figuras históricas como Leonardo da Vinci e Isaac Newton. De acordo com eles, esta sociedade tem ligação com os cavaleiros templários e possui o objetivo de proteger os descendentes de Jesus.

Esta teoria foi explorada no livro O Código da Vinci (2003), do escritor norte-americano Dan Brown, e ganhou uma adaptação para os cinemas em 2006 trazendo o assunto à tona para um grande público. Muitos historiadores acreditam que esta teoria não possui validação crível e descartam a possibilidade de que ela seja real. O livro “O Santo Graal e a Linhagem Sagrada” foi considerado blasfemo e chegou a ser censurado em vários países de raíz católica.

Veja também: 3 mistérios explicados da A Última Ceia de Leonardo Da Vinci

A busca pelo Santo Graal terminou?

A resposta para esta pergunta é não. Em especial, porque não há dados históricos que comprovem a própria existência do Santo Graal. Ao longo dos séculos, ele foi assumindo diversos formatos simbólicos e as teorias que possuímos sobre ele estão repletas de ficção que se relaciona apenas em parte com alguns fatos históricos.

Contudo, muitos países afirmam possuir o “verdadeiro Santo Graal”. Entre eles, podemos destacar:

O cálice da Catedral de Valência, na Espanha

O cálice guardado na Catedral de Valença na Espanha que é dito como o 'verdadeiro Santo Graal'.
O cálice guardado na Catedral de Valença na Espanha que é dito como o "verdadeiro Santo Graal".

Em 2008, um congresso internacional reuniu especialistas de várias partes do mundo com o objetivo de pedir que a UNESCO considere um cálice guardado pela Catedral de Valência como Patrimônio Histórico. De acordo com seus protetores, o objeto é realmente o cálice utilizado por Jesus Cristo na Última Ceia. Ele é feito de ágata e possui 17 cm, sendo decorado com pedras preciosas e ouro. Especialistas dizem que o objeto data de 50 a 100 anos antes de Cristo e tem origem do Oriente Médio.

“Il Sacro Catino” de Gênova

Artefato do Museu do Tesouro da Catedral de San Lorenzo, em Gênova na Itália que foi dito ser o Santo Graal.
Artefato do Museu do Tesouro da Catedral de San Lorenzo, em Gênova na Itália que foi dito ser o Santo Graal.

Um artefato preservado pelo Museu do Tesouro da Catedral de San Lorenzo, em Gênova na Itália, é também dito como o “verdadeiro Santo Graal”. Chamado de “Il Sacro Catino”, o objeto é um vaso hexagonal de material transparente verde brilhante e seus protetores dizem ter sido utilizado durante a Última Ceia por Jesus Cristo. Especialistas concluíram que ele é um objeto islâmico que pode datar dos séculos IX ou X.

O cálice de Antioquia

O cálice de Antioquia chegou a ser apontado como o Cálice Sagrado qaundo descobertno no começo do século XX.
O cálice de Antioquia chegou a ser apontado como o Cálice Sagrado qaundo descobertno no começo do século XX.

Descoberto em 1910 na região de Antioquia na Turquia, o cálice dourado chegou a ser apresentado nos anos de 1930 como o “Cálice da Última Ceia”. Contudo, especialistas concluíram que a data do objeto é do século VI d.C e o Museu Metropolitano de Nova York, que o possui em sua coleção hoje, diz que é “ambicioso” apresentá-lo como o Santo Cálice.